De forma inconseqüente e comportando-se como se estivessem acima da lei, Lula e Ciro Gomes voltam a atacar autoridades da Lava Jato, numa escalada de intimidações ao Judiciário sem precedentes na história recente do País. Até quando?
IstoÉ
Declarações investidas de uma audácia ímpar proferidas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo ex-ministro Ciro Gomes, repletas de ofensas e críticas pesadas aos coordenadores da Operação Lava Jato, colocam os dois pretensos candidatos a presidente da República em 2018 na rota de colisão com o ordenamento jurídico. O tom raivoso de Lula, que chamou um procurador de “moleque”, pode ser enquadrado, no mínimo, como um crime de injúria. O despautério de Ciro, que afirmou receber “na bala (sic)” as pessoas porventura enviadas pelo juiz Sergio Moro para prendê-lo, configura uma ameaça gravíssima. Num passado não muito distante, declarações como essas levariam os dois a serem responsabilizados por desacato à autoridade. Se fossem cidadãos comuns, poderiam ser presos por isso.
A escalada de ataques ao Judiciário não encontra paralelo na história recente do País. O palco da sanha verborrágica de Lula, como não poderia deixar de ser, foi um seminário do PT, na sexta-feira 24, em que o partido, logo quem, dignou-se a pontificar sobre a Operação Lava Jato. Claro, a estrela principal do evento, réu em cinco processos, três dos quais por corrupção, estava ali única e exclusivamente para destilar impropérios contra as autoridades que o investigam e julgam. O procurador Deltan Dallagnol foi tachado de “moleque”. Já Moro e um delegado da Polícia Federal, segundo a régua de Lula, não tinham “a lisura, a ética e a honestidade” que, pasme, o petista alega ter. Afirmou ainda que sua condução coercitiva pela Polícia Federal em março de 2016, foi “a coisa mais sem vergonha da história deste País”. Dois dias depois, foi a vez de Ciro, famoso por suas declarações completamente destrambelhadas e intimidatórias, típicas de um coronel do Nordeste, passar mais uma vez do tom. “Ele que mande me prender que eu recebo a turma do Moro na bala”.
Juristas ouvidos por IstoÉ dizem que Lula e Ciro também cometeram crime de injúria ao ameaçarem autoridades
Os ataques a Moro e Dallagnol não são impensados. Em 4 de março de 2016, no dia da condução coercitiva de Lula, o senador Jorge Viana (PT-AC) telefonou para o advogado do petista, Roberto Teixeira, e recomendou que o ex-presidente enfrentasse o processo jurídico de forma política, forçando uma prisão por “desacato”, chamando o juiz de “bandido”, a fim de transformar Lula em um “preso político”. Ou seja, trata-se de uma um estratagema do petista para escapar da Justiça, e do radar de Moro, apelando para a vitimização. Tanto assim que logo depois da condução coercitiva, Lula ingressou no Tribunal Regional Federal, da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, com pedido para que o juiz Sergio Moro deixasse de ser o responsável por seu julgamento em Curitiba. Lula, como se sabe, perdeu. Das cinco ações em que Lula é réu, duas estão com Moro. Uma delas é sobre os benefícios que ele recebeu na aquisição de um tríplex no Guarujá. Ate junho, o ex-presidente pode ser sentenciado. Caso seja condenado e o TRF-4 reafirme a sentença, Lula torna-se ficha suja e não poderá ser candidato em 2018. Já contra Dallagnol, Lula entrou na Justiça porque o procurador o denunciou como “chefe de quadrilha” numa entrevista coletiva para anunciar a abertura de mais um processo contra o ex-presidente. Lula chamou essa entrevista de denúncia do “Power point” e está acionando Dallagnol na Justiça, pedindo uma indenização por danos morais de R$ 1 milhão. Fontes ligadas à Justiça do Paraná dizem que tanto Lula quanto Ciro poderiam responder por crime de injúria ou desacato, mas que nem Dallagnol e nem Moro pretendem se ocupar com isso. O professor da USP José Álvaro Moisés entende que as declarações dos dois presidenciáveis mostram um jeito autoritário de se lidar com quem pensa diferente. “Nos dois casos, embora em graus diferentes – o Ciro é muito mais despreparado –, eles partiram para brutalidade”, avalia. Para o especialista, Ciro “merece ação policial”. Até quando?
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No discurso, o ex-presidente também defendeu o projeto de lei do abuso de autoridade
Ricardo Galhardo | O Estado de S.Paulo
Réu em cinco processos, três deles provenientes da Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou o procurador da República Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa que investiga o esquema de corrupção na Petrobrás, de “moleque”. Segundo Lula, Dallagnol, que é fiel da Igreja Batista, acha que “sentar em cima da Bíblia dele” é a solução dos problemas do país.
“Fomos criados para mudar a história deste país e para agir corretamente. Quem comete erro paga pelo erro que cometeu. A instituição é muito forte. E aquele Dallagnol sugerir que o PT foi criado para ser uma organização criminosa... O que aquele moleque conhece de política? Ele nem sabe como se monta um governo. Não tem a menor noção. Ele acha que sentar em cima da Bíblia dele dá a solução de tudo”, disse Lula no encerramento do seminário “O que a Lava Jato tem feito pelo Brasil” promovido pelo PT.
Com a voz fraca e abatido por uma virose, Lula falou menos de 10 minutos e chegou a chorar ao dizer que fez um esforço para comparecer ao evento apenas para dar uma satisfação aos mais de 200 convidados que lotaram o auditório de um hotel em São Paulo. Além de dirigentes petistas, o seminário contou com a presença de juristas, jornalistas, petroleiros e políticos de outros partidos. No discurso, Lula também defendeu o projeto de lei do abuso de autoridade. A posição do ex-presidente foi endossada pelo presidente do PT, Rui Falcão. “O que o Lula falou é o que nós achamos também. Ninguém poode se colocar acima da lei”, disse Falcão. Os participantes do evento defenderam as investigações da Lava Jato mas destacaram os supostos abusos da força-tarefa. Lula desafiou os procuradores a apontarem quais crimes ele cometeu. “Estou na expectativa para saber qual é o crime que será imputado a mim. Vou nessa briga até o fim. Não tenho negociata. Eles vão ter que provar”, disse o ex-presidente. Ex-presidente critica integrantes da força-tarefa da Lava-Jato durante seminário do PT
Sérgio Roxo | O Globo
SÃO PAULO — Ao discursar nesta sexta-feira em um seminário promovido pelo PT contra a Lava-Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ataques duros aos responsáveis pela operação. Chegou a chamar o procurador Deltan Dellagnol, chefe da força-tarefa que investiga irregularidades na Petrobras, de “moleque” e disse que nem Dallagnol nem o juiz Sérgio Moro possuem a honestidade que ele tem. O petista defendeu também a aprovação da lei de abuso de autoridade no Congresso.
— Nem o Moro, nem o Dallagnol, nem o delegado da Polícia Federal têm a lisura, a ética e a honestidade que eu tenho nestes 70 anos de vida — discursou Lula, no encerramento do seminário que tinha como tema "O que a Lava-Jato fez pelo Brasil".
O petista fez ainda um desafio aos responsáveis pela operação: — Eles deram azar porque foram mexer com quem eles não deveriam ter mexido. Também prometeu lutar até o fim: — Vou nessa briga até o fim. Não tenho negociata. Eles vão ter que provar. Lula disse que os integrantes da força-tarefa fizeram “a coisa mais sem vergonha da história deste país” ao, segundo ele, execrarem os investigados por meio da imprensa. O ex-presidente se queixou que, em março do ano passado, quando foi alvo de condução coercitiva, os agentes da a Polícia Federal filmaram a sua casa e entregaram as imagens para um veículo fazer um filme. Reclamou também que os tablets de seus netos foram apreendidos na ocasião e não foram devolvidos até hoje. — A Polícia Federal, que é uma instituição que eu aprendi a respeitar e a fortaleci, mas na hora que ela invade a casa de uma pessoa. Na minha casa, entraram com máquina fotográfica no peito, máquina de filmar, e deram para a (revista) “Veja” fazer um filme. Em petição feita ao juiz Sérgio Moro, a defesa do ex-presidente pediu que produtores do filme “Polícia Federal - a lei é para todos”, sobre a Operação Lava-Jato, não usem as imagens da PF. O produtor do filme, Tomislav Blazic, nega que tenha recebido imagens da Polícia Federal sobre a operação. O ex-presidente chegou a chorar ao começar o seu discurso no seminário. Ele contou que não deveria estar ali porque pegou uma virose, mas disse ter ido ao evento porque "queria prestar contas" aos presentes. — A Lava-Jato não precisa do crime. Primeiro, ela acha o criminoso e depois coloca o crime em cima do criminoso — acusou. Mais adiante, afirmou: — Quero ver qual vai ser o crime a ser imputado a mim. Ao atacar Dallagnol, Lula fez também referência ao fato de o procurador ser evangélico: — Aquele Dallagnol (vem) sugerir que o PT foi criado para ser uma organização criminosa... O que aquele moleque conhece de política? Ele nem sabe como se monta um governo. Não tem a menor noção. Ele acha que sentar em cima da Bíblia dele dá solução para tudo. O evento, que foi marcado pelas críticas à Operação Lava-Jato, reuniu juristas, líderes de movimentos sociais e políticos da legenda e de outros partidos, como o senador Roberto Requião (PMDB-PR). Novamente, Lula disse que nunca ter recebido qualquer favor de empresários. — Eu duvido que tenha um empresário que está solto ou que está preso que diga que o Lula pediu dez centavos para ele. Não é porque sou santo, não. É porque tenho critério político. Quando um dirigente político pede dinheiro para empresário fica uma relação promíscua. O ex-presidente cobrou dos parlamentares petistas presentes mais briga no Congresso. — A gente não pode deixar de aprovar a lei de abuso de autoridade porque ninguém está acima da Constituição. Procurador Deltan Dallagnol rebate tese defendida recentemente pelo ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal, de que as delações que tiverem vazado devem ser anuladas
Fábio Serapião | O Estado de S.Paulo
O procurador Deltan Dallagnol publicou nas suas redes sociais um texto no qual ataca a tese defendida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de que as delações premiadas cujo conteúdo tenha sido objeto de vazamento podem ser anuladas. Para o coordenador da força-tarefa de procuradores da Lava Jato, em Curitiba, embora os vazamentos sejam condenáveis, a ideia de anular “não tem pé nem cabeça.”
O procurar argumenta faltar senso prático para a tese uma vez que ela esvaziaria o instituto da colaboração premiada. Com a possibilidade, diz, o próprio delator ou um delatado ciente das acusações contra ele poderia vazar para obter a anulação das provas colhidas.
“A proposta abriria um canal para que os próprios delatores, delatados ou pessoas mal intencionadas garantissem a impunidade de potenciais criminosos. Seu efeito seria a contenção do avanço de investigações como a #LavaJato, que se expandem exponencialmente por meio das delações”, apontou Dallagnol. No entendimento do procurador, a “sugestão de que o vazamento contamina a prova que lhe antecede não tem fundamento legal” e “afirmar que colaborações são ilícitas porque houve vazamentos posteriores significa rasgar a lei e os livros”. “Ainda que se pudesse cogitar criativamente que o depoimento também decorresse de algum modo do vazamento, a existência de fonte independente lícita, consistente na coleta inicial regular do depoimento, fundamentaria a legalidade de seu emprego”, completa. Ao finalizar seu texto, Dallagnol é taxativo ao afirmar que a proposta preocupa “por potencialmente acarretar a impunidade de políticos e empresários do círculo do poder que desviaram bilhões e estão na iminência de serem responsabilizados.” Integrantes da força-tarefa da operação afirmam que toda a investigação pode cair por terra com tentativas do Congresso de beneficiar investigados
Thaís Barcellos, Caio Rinaldi e Marcia Furlan | O Estado de S.Paulo
Em coletiva de imprensa de balanço de três anos da Lava Jato, os procuradores do Ministério Público Federal (MPF) que integram a força-tarefa da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima e Deltan Dallagnol, criticaram a proposta de anistia ao caixa 2 que está em tramitação no Congresso. "Temos boa parte do Legislativo e do Executivo contra a Lava Jato", disse Santos Lima.
Segundo ele, a Lava Jato está em um momento de muito cuidado, no qual as pessoas que estão sendo reveladas estão tentando reagir. Santos Lima disse ainda que toda a investigação pode cair por terra com as tentativas hoje em curso pelo Congresso. "Basta uma noite no Congresso Nacional e toda a investigação pode cair por terra", afirmou Santos Lima.
Leniência Com relação a acordos de leniência, o procurador do MPF e integrante da força-tarefa da Lava Jato, Paulo Roberto Galvão, considerou que o mecanismo é novo no Brasil e ainda precisa ser aprimorado. Segundo ele, um dos problemas atuais é que outros órgãos do governo podem prejudicar acordos de leniência firmados pelo MPF ou até desincentivar possíveis novas colaborações. Isso porque, às vezes, a companhia que faz acordo é punida por outro órgão antes mesmo de outras empresas que não confessaram seus crimes à Justiça. "Isso é preocupante para o futuro do combate à corrupção no País, porque passa um recado para as companhias de que é melhor não confessar seus crimes. As empresas que fazem acordos de leniência devem ser punidas, mas não podem sofrer mais do que as companhias que não colaboraram com a Justiça. Queremos combater isto", disse. Cooperação internacional A repercussão internacional da Operação Lava Jato também foi destacada pelos procuradores durante a coletiva. A extensão dos esquemas descobertos durante as investigações foi considerada um indicativo do quão complexo é o sistema elaborado para apropriação indevida de recursos. "Somente no caso da Odebrecht, temos 22 países envolvidos", comentou Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato. "A Odebrecht corrompeu em 12 países e lavou dinheiro em outros dez." O procurador Vladimir Aras, que também atua nas investigações, lamentou que não há uma lei no Brasil para cooperação internacional, o que causa uma insegurança jurídica e atrapalha o avanço dos trabalhos. "Precisamos que o Congresso faça uma lei de cooperação internacional", afirmou. "A investigação internacional depende do Brasil, mas também dos esforços de outros países envolvidos." De acordo com Aras, "há um cuidado ao observar o processo legal dos pedidos internacionais". Nos casos que envolvem a Odebrecht, "o Brasil vai poder atender pedidos internacionais a partir de 1.º de junho", disse. Essa data é prevista em cláusula nos acordos de delação com executivos da empreiteira. O prazo foi incluído nos termos para que as empresas decidam por acordos em outros países, assim como permitir aos procuradores compilar o elevado número de documentos a serem compartilhados. Foro privilegiado Dallagnol reforçou a necessidade de se promover reformas para tornar mais efetivo o combate à corrupção no País. "Precisamos que o foro privilegiado seja restringido. Precisamos de mais reformas", comentou. Ao avaliar o horizonte para o encerramento da operação, Dallagnol afirmou que o "fim é quando tivermos exaurido todas as investigações sobre crimes". Em relação ao legado da Lava Jato, o aprimoramento das regras para prevenção de práticas de corrupção foi citado pelo procurador. "O fim da operação também é quando tivermos reformas para mudar o sistema político." Legislativo Dallagnol afirmou que ainda não consegue avaliar se a operação é um "ponto fora da curva" no combate à corrupção no País. "Não sabemos se a Lava Jato fez o País sair dos trilhos da corrupção ou se voltaremos a esse tipo de prática", comentou. Para ele, a Lava Jato tem grande representatividade e indica uma mudança no entendimento de que o crime compensa. "A operação provocou um rompimento da impunidade dos círculos de poder no Brasil." Para que a operação atinja um grau de perenidade e tenha repercussões positivas no futuro, o procurador pediu que o Poder Legislativo também atue para inibir as práticas de corrupção. "É necessário irmos além da Lava Jato. As medidas mais significativas no tocante à corrupção foram promovidas pelo Judiciário", afirmou. "A sociedade não pode colocar todos os pedidos e expectativas sobre o Judiciário - esse foi o erro da Itália (em referência à Operação Mãos Limpas). É preciso que sociedade, imprensa e Congresso caminhem para reformas", salientou o procurador. Segundo Dallagnol, uma das mudanças promovidas pelo Judiciário a partir da Lava Jato foi o fim do financiamento empresarial de campanhas. "Outra mudança foi a condenação em segunda instância", lembrou. ‘Se desenvolveu no País o hipergarantismo, que só olha os direitos do réu, e não os da sociedade’, afirma coordenador da força-tarefa da Lava Jato
Luiz Maklouf Carvalho | O Estado de SP
Certa vez, numa viagem ao interior do Paraná, Deltan Dallagnol, o procurador da República que coordena a força-tarefa da Operação Lava Jato, ouviu, de um filho aflito, que o pai lhe contara ter sido diagnosticado com um tumor na próstata. Passado um ano, o pai voltou ao médico, que confirmou o tumor, já maior. Mais um ano, e crescera mais. “O cara não tomava providência”, contou ao Estado em entrevista na PGR de Curitiba. “Até que o médico, preocupado, quebrou o protocolo e foi falar com o filho: ‘Olha, diagnóstico não vai resolver o problema do seu pai. Tem de tirar o tumor’.”
A história ilustrou uma preocupação crescente de Dallagnol: a visão da Lava Jato como a solução do problema da corrupção. “Acham que vai ter um antes e depois da Lava Jato sem reformas estruturais – e não vai”, disse. O procurador ainda defendeu a linha teórica que chama de “garantismo integral”, “que garanta os direitos dos réus, mas também os da sociedade”.
Quem ganha e quem perde, e o quê, se ficar derrubada a proposta das dez medidas contra a corrupção, defendida pelo Ministério Público Federal– atualmente sob impasse na votação da Câmara? Se elas não passarem, nós precisamos continuar lutando por reformas para que o sistema de justiça funcione, para todos. Eu vejo isso como um processo de fortalecimento da sociedade civil. O que acontece, no Brasil, é que a sociedade civil ainda não é suficientemente organizada. Mas ela vem melhorando, vem desenvolvendo músculos. Enquanto isso, o sr. e seus colegas procuradores ficam dando uma força... Não é uma visão de salvador da pátria – como ultimamente o sr. tem sido carimbado? Não. Ninguém é salvador da pátria. Se quisesse passar a idéia de salvador de pátria, diria que a Lava Jato vai transformar o país, vai salvar o país. Mas não é isso que a gente fala. O que é que os srs. falam? O que a gente fala é que a sociedade vai perceber que a Lava Jato não é a solução para os nossos males. Ela faz diagnóstico – e diagnóstico não vai resolver o problema. Explique melhor... Existe a ilusão de que pessoas indo pra cadeia resolve o problema. O que a gente busca fazer é desconstruir essa ilusão. De que forma? Mostrando que o que pode contribuir para a redução dos índices de corrupção são a reforma na justiça criminal, a reforma política e a atuação sobre outras condições que favorecem a corrupção. E a Lava Jato? O que eu vejo, nas palestras que dou, é que a maior parte das pessoas acha que vai ter um antes e um depois da Lava Jato. Ela pode até contribuir, de algum modo, mas só a Lava Jato não resolve. É um passo, mas a gente precisa de muitos passos. Se não for seguida por modificações estruturais, tudo vai ficar como era antes. Com o passar do tempo, é muito provável que nós voltemos à condição original. Daí a necessidade de reformas... Se nada for feito de reformas positivas, é possível, ou até provável, que sejam feitas reformas negativas, seguindo os passos do que aconteceu na Itália, em que os políticos se autoprotegeram, concedendo autoanistias. Essa autoanistia não precisa assumir a forma de uma anistia proclamada, como a que foi tentada [na Câmara] no final do ano passado. Ela pode ser feita por pequenas mudanças na legislação criminal, ao longo de dez anos. O sr., e outros operadores centrais da Lava Jato – como os procuradores da república Douglas Fischer, Eduardo Pellela e Bruno Calabrich, além do juiz Sérgio Moro – defendem, em livros, artigos, e palestras, uma corrente teórica que se contrapõe ao que chamam de hipergarantismo, ou garantismo hiperbólico monocular, definindo-o como uma exacerbação do direito de defesa dos acusados. E propõem, em contraponto, o que chamam de garantismo integral, que definem como uma solução mais equilibrada. Pode explicar melhor? Acaba preponderando, no cenário brasileiro, uma corrente que é chamada de garantista, onde se defende que os direitos dos réus devem ser integralmente respeitados. Até aí todos nós concordamos: o processo criminal deve ser garantista. Não serve só para punir, mas para limitar a punição, proteger a pessoa contra abusos, contra irracionalidades, contra atropelos. Onde é que está a divergência? O que se desenvolveu no Brasil foi aquilo que alguns chamam de hipergarantismo. É um garantismo hiperbólico, porque exacerbado, e monocular, porque só olha os direitos do réu, e não olha o direito da sociedade. O que o srs. defendem, então? O que nós buscamos é um garantismo equilibrado, integral, que garanta os direitos dos réus, mas também o das vítimas e os da sociedade. Do modo como funciona em tribunais garantistas internacionais. Por exemplo... O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, tribunais de países que são considerados desenvolvidos, e que são berço da proteção de direitos humanos, como a Espanha, como o próprio Estados Unidos, um grande pai das garantias fundamentais. Há fortes argumentos contrários a esse conceito do “hipergarantismo”. Um deles é que o garantismo está lastreado na constituição de 1988, que consolidou os princípios “in dúbio pro reu” e da presunção da inocência. O hipergarantismo é uma interpretação do que está na Constituição. Permitida e amparada pelo que lá está. A outra interpretação também é permitida. A grande questão é: como é que funciona hoje o direito e o processo penal em relação a réus do colarinho branco, a corruptos e corruptores? Como é que funciona? Uma pesquisa de dois autores publicada pela Fundação Getúlio Vargas [Carlos Higino Ribeiro de Alencar e Ivo Gico Junior, em “Corrupção e Judiciário: a (in)eficácia do sistema judicial no combate à corrupção”, disponível na internet], mostra que o percentual de punição dos corruptos identificados é de pouquinho mais de 3%. Uma probabilidade de punição de 3% não vai ser um fator que desestimule a corrupção, porque a probabilidade de ser punido é muito pequena. O sistema hoje está concatenado com uma grande engrenagem, de tal forma que o resultado produzido é impunidade a réus do colarinho branco, corruptos e corruptores. Não é a Constituição que tem que mudar essa equação – e não o dr. Deltan, que de resto poderia ter se candidato a deputado ou senador, e ir defender as dez medidas lá no Congresso, em vez de ficar correndo atrás de assinaturas? Ótimo! Eu gosto de ouvir a divergência, porque ela é saudável e ajuda a construir um debate que enriquece o resultado. O que está colocado, com esse argumento, é medo de quem já passou por uma ditadura, o medo de que o Estado se exceda. A minha geração é uma geração que cresceu sem ditadura, vendo abusos de governantes praticando mandos e desmandos sem qualquer punição. O que a gente prega é altamente compatível, existe e funciona nas democracias do mundo. O sr. defende, no seu livro sobre as provas, que o princípio da boa fé deve ser valorizado – para permitir, por exemplo, o recebimento de provas ilícitas. Acontece que esse princípio não está constitucionalizado, enquanto o da presunção de inocência está, e deve, portanto, prevalecer. Ou não? A boa fé é algo inerente ao sistema de provas ilícitas, que o Brasil importou dos Estados Unidos. Só que quando a gente importou esse sistema, só importamos a metade que protege o réu. A outra metade, que protege a sociedade, a gente abandona. Isso não faz sentido, na minha perspectiva. Mas foi assim que o Legislativo resolveu – como do jogo democrático. É do jogo, posso entender, mas deve mudar. A questão, na prática, voltando à operação Lava Jato, é que a sua posição, assim como a juiz Sérgio Moro, relativiza o constitucional in dúbio pro reu – o que é muito perigoso em um sistema democrático. Não? Deltan - Eu aprendi nos Estados Unidos um argumento que se chama slippery slope . É o argumento da ladeira escorregadia: “se você encosta em mim, daqui a pouco me dá um tapa e daqui a pouco um tiro na cabeça”. É um argumento tem por base o medo, que é uma emoção altamente poderosa. Mas a grande questão é: esse slippery slope procede? Será que não há barreiras entre esse tocar na pele e o tiro na cabeça? Nesse caso não existe. Estamos propondo medidas que já existem nas democracias civilizadas... Esses princípios – in dubio pro reu, etc – estão na constituição... Mas nenhuma posição que eu defendo é incompatível com a Constituição. Me diga uma. O sr. defende, claramente, a relativização do princípio da presunção da inocência. Não. Digamos que você me dê essa caneta de presente. Eu vou dizer que você relativizou o direito à propriedade no Brasil? Desculpe, mas não é uma boa comparação... Direito à propriedade é um direito fundamental, que são irrenunciáveis e inalienáveis. O que você foi fez foi compatibilizar um direito inalienável e irrenunciável, com outro direito inalienável e irrenunciável, que é o direito à liberdade. Aí é que está a chave para entender o que a gente defende. Ninguém é contra a Constituição. Na tabela que o sr. publica ao final de seu livro – com decisões de tribunais superiores que já seguem essa corrente do garantismo integral - não há nenhum exemplo de tribunal no Brasil. É uma corrente que ainda não chegou por aqui, pelo menos nas instâncias superiores. Porque diz respeito à interpretação. Veja, por exemplo, a doutrina constitucionalista do Direito Civil. O direito à propriedade estava no cerne do Direito Civil. Eles fizeram um giro hermenêutico para dizer que a propriedade é assegurada, mas está em função da dignidade da pessoa humana. O que eles quiseram fazer foi humanizar o Direito Civil. Essa linha é uma linha que eu endosso. O mesmo tipo de argumentação que eles fizeram, no Direito Civil, é algo que a gente faz buscando uma efetividade da justiça criminal. É usar a argumentação, e a interpretação, dentro da constituição, para que a justiça penal seja efetiva, sem desproteger o direito dos réus. E daí voltamos às dez medidas... Quando oferecemos alternativas como as dez medidas contra a corrupção, estamos trazendo o debate para a mesa. O que a gente quer é um sistema de justiça que funcione. Oferecemos um tipo de solução, mas aceitamos qualquer outra solução que venha e resolva o problema. Procurador prevê desdobramentos da Lava Jato por todo o País
Diário do Poder
Os acordos de delação premiada da Odebrecht devem revelar casos de corrupção em vários Estados do país, afirmou o coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, o procurador federal Deltan Dallagnol.
"É natural que aconteça um desdobramento da Lava Jato com 'filhotes' da operação por todo o país", disse. Ele explicou que decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) geraram desdobramentos em São Paulo, no Rio e outras operações. "O STF, em dois precedentes, entendeu que fatos que não estejam relacionados a algo próximo à Petrobras não devem tramitar em Curitiba, mas em seus Estados", disse. "Há acordos de colaboração [premiada] que estão sendo objeto de decisão o STF", indicou.
O procurador afirmou que a Operação está num "movimento de expansão", com novos fatos vindo à tona, em decorrência de acordo de colaboração com indivíduos e de leniência com empresas. "Uma das áreas para qual a Lava Jato tende a se expandir é o marketing da Petrobras", afirmou durante a entrevista concedida na semana passada. "Outra área que estamos estudando é a das instituições financeiras. Não exatamente porque não existe um controle, mas porque várias delas violaram regras para praticar atos que acabaram favorecendo a realização de crimes graves contra a sociedade", acrescentou. Dallagnol minimizou críticas de que a Lava Jato teria efeito negativo para a economia, ao ressaltar que o fator prejudicial é a corrupção. "Vários dos problemas que surgiram em decorrência da Lava Jato não estão ligados à atuação do Estado, mas sim às práticas dos crimes pelas pessoas que os cometeram anos atrás. Vemos ainda que corrupção e ineficiência econômica estão muitas vezes relacionadas", disse. O procurador também evitou "polemizar" declarações de que haveria interesses estrangeiros e partidaristas na Operação. Ele não comentou "casos específicos", como um possível pedido de prisão do ex-presidente Lula, nem sobre afastamento da PF das delações da Lava Jato. "Existe essa crítica de que a Lava Jato é partidária porque atingiria só membros do PP, PT e PMDB. Mas existe uma razão para que isso tenha ocorrido. Essa razão é a forma como os crimes se desenvolveram", afirmou. Dallagnol ressaltou que a investigação se debruçou por um largo momento sobre os crimes praticados na Petrobras e quem estava à frente da estatal eram pessoas indicadas pelo "partido no poder". "A investigação continua evoluindo e é possível e até provável que as outras frentes que estão se desenvolvendo revelem crimes praticados por uma série de outros partidos que até então não estavam implicados", disse. "Se o STF decidir que esses casos devam ser investigados aqui em Curitiba, o tratamento que vamos dar será idêntico ao dado aos outros casos", acrescentou. Sobre as dez medidas contra corrupção propostas pelo MPF e rejeitadas no Congresso Nacional, Dallagnol disse que, caso voltem à Câmara, acredita-se "que as medidas poderão ser reavaliadas com mais calma e profundidade. Sobretudo considerando que quando elas tramitaram na comissão especial, elas foram aprovadas na sua maior parte". Dallagnol prevê dobro de investigados com acordos de delação
Diário do Poder
Prestes a serem homologadas, as delações dos executivos da Odebrecht devem dobrar o número de investigados pela operação Lava Jato, da Polícia Federal. a afirmação foi feita pelo procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa do Ministério Público Federal, à AFP.
Segundo Dallagnol, a perspectiva é que a operação se duplique. "A colaboração da Odebrecht e de vários de seus executivos aportará provas que podem continuar em Curitiba, mas que muito provavelmente se espalharão por todo o Brasil como filhos da investigação", disse.
Os 77 executivos que optaram pelo acordo de delação prestaram quase 1.000 depoimentos, que estão em fase final de homologação, e devem ter o sigilo extinto nas próximas semanas, apesar da morte do relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Teori Zavascki.
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AutorLuiz Maia Histórico
Julho 2017
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